segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Aventura na cadeia

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Estava fazendo uma surpresa pra minha namorada. Um banheiro seco. Um lugar pra cagar gostoso. Mas antes mesmo de chegar na metade da construção, já deu merda. Tava na frente do terreno, com uma telha pesada na cabeça, quando vários carros da policia pararam. Pararam pra pedir informação. Queriam saber se eu era André Parisi e se eu plantava maconha. Apesar de um certo viés fora da lei, eu sou muito honesto e disse que sim.

Sempre tive uma ideia da policia, mas esses caras me surpreenderam: Foram gentis, respeitosos e rapidamente estávamos batendo o maior papo como se fossemos amigos. Mostrei pra eles minhas obras e expliquei como estava fazendo minha casa. Mas claro, o assunto principal era a maconha. Dei uma aula sobre o assunto. Incrível que policiais prendem as pessoas por plantar maconha mas não entendem muito do que se trata.

Eu tinha 16 pés, e um pouco seco numa caixa de papelão. Eles foram tão legais que eu achei que nem iam me prender e iam me deixar com a maconha. Mas eles não podiam. Me pediram sinceras desculpas pois tinham que me prender. Eu disse que entendia e aceitei ser preso numa boa, apesar de não achar isso justo. Plantar maconha é ilegal, mas foi uma das coisas mais legais que fiz na vida!


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Me levaram num caro vermelho , no banco de trás , sem algemas. Curti o tratamento. Chegando na delegacia de Juquitiba, mais mimos, mais camaradagem. Eu já tava amando a polícia. Dai fui fazer o relato a escrivã. Assinei 330 mil coisas. Depois os caras me disseram que eu ia aprender a tocar piano. Melaram meus dedos de tinta e deixei minhas digitais e pelo menos um milhão de papeizinhos...Depois me convidaram pra comer pão com mortadela e tomar coca-cola com a equipe de policiais.

Hora de ir pra jaula.

Mas não fiquei com outros presos. Me colocaram numa cela minúscula. Era uma ante câmara da cela principal.

Eu não esperava que nessa hora, seria a vez dos presos me mimarem. Mal sentei, me deram café, e um copo de plastico cheio de bolachas. Pra eu não sentar no chão frio me recomendaram um cobertor e foram pegar um. A cela era limpinha e o chão brilhava. A delegacia de Juquitiba é um lugar bom, com ótimo energia. Disse ao guarda que se continuassem me tratando assim eu nunca mais ia querer voltar pra minha casa.

Passaram-se horas e vi um policial chegar com um saco de maconha...Meus amados pezinhos. Puta crime tratarem aqueles pezinhos daquele jeito. Se soubessem quanto amor tinha ali. . Deu quase 4 quilos. Por isso eu não podia ficar ali. Pela quantidade eles me enquadram como traficante, mesmo sabendo que a cannabis era de consumo próprio. Não é a verdade que importa. O que fode é o detalhe. Já que eu era traficante, meu lugar não era ali. Tinha que ser levado para onde ficam os criminosos mais perigosos.

Me recusei a avisar algum parente. Mas fiquei muito puto quando vieram me dizer que avisaram meus pais. Reclamei veementemente.

Dessa vez me algemaram e me levaram a cadeia de Itapecerica da Serra de camburão. Não tenho muita memória da viagem. Mas minha bunda nunca esquecerá!


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Chegando lá, fizeram a revista. tirei toda a roupa e ainda tive que me abaixar três vezes pra ver se não saia nada do meu fio-fó. Mas, incrível, os caras não olharam o bolso da minha calça e entrei com varias coisas na prisão e demos muita risada disso.

O clima da cela era  pesado. Havia sete presos e depois chegaram mais alguns. As pessoas chegavam e se encolhiam num canto. Lamentações e ranger de dentes. Aquela zona de cobertores, colchões e baratas. A privada era revestida de coco e os papeis higiênicos carimbados, já formavam uma pilha maior que a vaso sanitário. Sabe aqueles botecos cujo banheiro fede a mijo? Multiplique por cem e terá uma ideia da imundice que era aquilo.

Eu simplesmente não tive medo de nada em momento algum, provavelmente por ter sido preso com tanta gentileza.

Não tive dúvidas: quando o carcereiro passou na frente da cela eu disse:

"Por favor. Preciso de vassoura, rodo e desinfetante. Eu mesmo vou fazer a faxina."

Me atenderam. Dali saiu dois sacos de lixo de 100 litros cheios de podridão. Todos os presos me ajudaram e foi ali que começou minha amizade com eles, porque por um momento esquecemos nossas tragédias e fizemos algo muito positivo. Juro, no final o lugar tava cheiroso, limpo, e nossos corações mais leves.

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Nem dormi. Aliás, não dormi nenhuma vez. Embora tenha tentado com esforço.
No dia seguinte veio o café com um pão cheio de margarina. Naquela hora percebi que toda gentileza tava acabando. Nós estávamos de castigo. Precisávamos sofrer. Eles queriam isso. Mas eu sou um subversivo. Contei minha história e do meus pezinhos amados de maconha. Contei cheio de bom humor e fazendo piada de tudo. Eles gostaram e cada qual contou sua história. Parecia reunião dos Alcoólicos Anônimos. Quando senti que a sessão desabafo acabou, sugeri um jogo.
"fui a lua e levei um baseado" eu disse. Cada um tinha que repetir isso e acrescentar outra coisa. Foi muito engraçado, todos estavam rindo a solta. De vez em quando, passava o carcereiro, e não acreditava na nossa alegria.
Na prisão, você não tem mais  o que fazer senão conversar. E conversamos até altas horas da madrugada, falando de Deus e da polícia, da política, e o assunto chegou ao big bang e se tornou cósmico. Me surpreendeu a inteligencia daqueles caras. Houve dois assuntos que me encantaram: as histórias de espíritos, fantasmas e assombrações, cada um tinha uma história pior que a outra e eu senti vários arrepios...Mas o que achei muito interessante mesmo, foi saber as histórias do lugar pra onde iriamos depois dali. O CDP de Itapecerica da Serra(Centro de Detenção Provisório). Nós estávamos no purgatório nos preparando pra ir pro inferno.

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Na manhã seguinte quase balancei. O foda não é a pessoa ali na prisão. Para gente que é protagonista e tá vivendo a coisa, é mais confortável do que pra nossos parentes que não sabem nada do que está acontecendo e sofrem muito, muito mais do que nós ali. E nossa dor era por eles.
Nessa hora o assunto era o "bonde". O "bonde" era um grande furgão. Quem já tinha passado por isso falava que o cheiro de vomito ali era bravo, porque o negócio não fora projetado pra dar conforto aos ocupantes, mas o contrário. Meus pais tinham arrumado um ótimo advogado, o dr. Nabuco, que além de tudo era professor de direito criminal. Ele já tava mexendo os pauzinhos. Mas eu não queria advogado particular porque custa uma nota o serviço deles, eu entendo claro. Achei que o advogado publico já ia falar com a gente , mas não tem nada disso. O pobre que não tem grana mofa na cadeia. Leva três meses pro juiz te ouvir e te indicar um advogado. Pobre só se fode nesse pais cristão...Mas muitos que estavam ali, tinham advogados particulares apesar de serem pobres, porque os donos das "lojinhas" de tráfego tem os chamados "gravatas", advogados a serviço do crime. Recebem dos traficantes pra tentarem soltar esses garotos. Muito triste isso. As pessoas que ganham mesmo dinheiro com tráfego nunca são presas. Mesmo que forem  capturadas fazem acertos com os policias que fazem fortes extorsões. Ouvi tantas histórias que fiquei na dúvida de quem eram os verdadeiros malvados naquela história toda. Os garotos são presos as dezenas diariamente. São boi de piranha. Prendem um , vem outro. Essas pessoas são tão pobres que não tem dinheiro pra comer e muitos estão quase indo morar na rua. O tráfego é o que "os salva", embora nada no final das contas os salve. São usados como coisas e vão pagar na cadeia, pelos crimes de outros, dos quais são vítimas. E não bastando isso, o estado brasileiro, com seus agentes, os atormentam e os tratam como lixo humano.

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Eu precisava estar preso. Eu andava numa inércia. Minha vida tava tão boa, tão prazerosa e eu me deixei levar. A vida não é um passeio no parque. A vida é uma batalha espiritual. Não estamos sozinhos. Pessoas como eu, que acumularam conhecimento, não podem se fechar para o mundo como eu fiz. Não tem jeito, temos que nos envolver. Há um serviço a ser feito. Temos que ajudar o próximo. Só isso nos torna melhores. É preciso sair da zona de conforto se quisermos de fato ser compassivos. Pode não parecer, mas as pessoas tem algo de divino. Na cadeia, as pessoas se tratam de Cuzão, Cachorro etc, mas quando você se abre pra eles e eles pra você, dá pra perceber que ali é tudo gente. Gente com potencial mas super mal orientadas. Gente desperdiçada. A vida pode ser a coisa mais linda, mas pode ser um lugar muito ruim. A sociedade não facilita porque ninguém quer se envolver com nada. Negligenciamos uma juventude, pra depois puni-los. Damos desprezo e desamor e esperamos que todos sejam gente fina na sociedade. A sociedade é a porca que com seu leite imundo alimenta os desvalidos. Deus tenha piedade de nós e nos banhe em acido sulfúrico!

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O bonde chegou! Mas eu fui de camburão, com um rapaz acusado de latrocínio. Ele era grandão e eu também, então me senti numa lata de sardinhas.

Fomos pra um lugar pra passar por um médico que perguntou se havíamos apanhado.  O exame é ridículo. Mais uma burocracia.

Porém, nesse episódio ficamos em fila num belo quintal.

Nessa hora os policiais começaram a querer saber da minha plantação e me deram a oportunidade de fazer uma longa palestra. Incrível que eu me sentia cada vez mais admirado pelos policias e pelos presos. Eu estava sempre espirituoso, tentando tornar cada momento leve. Senti a simpatia daqueles pessoas. Eu estava novamente entre amigos. Porém alegria de pobre dura pouco...


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CDP - Bem-vindo ao inferno!

Foi entrar naqueles portões pra sentir que o babado ali não era fraco. Caras fortemente armados. Hostis. Caras de maus. Gente feroz. Mas eles apenas guardam os presos. A cadeia não pertence ao estado brasileiro, mas sim a facção criminosa PCC. O PCC estipula as regras, fornece a ética e a moral. Mil regras estranhas. Ai de ti se você assoviar. Um gesto de mãos pode lhe custar caro. Me alertaram pra tomar muito cuidado.
Fizemos uma fila no pátio e um baixinho louro, que era o chefe ali, encarnava o personagem nazista, nos advertiu que nós estávamos ferrados...Cadeia não é hotel. Qualquer deslize e...solitária. Um mês numa jaula minúscula, no escuro...O pot. Um dos piores castigos que eles tinham pra oferecer e avisavam que era fácil ir pra lá.

Todo mundo pelado. Rápido, rápido bando de ladrões! Ele chamava a gente de ladrão. Nos revistaram. Nos deram uma roupa limpa, roupa da cadeia. Eu era o primeiro da fila pro meu azar.

O nazistinha, me disse pra tocar a fila, mas quando passei por ele me deu um soco no peito. Não foi forte, mas eu não afinei e perguntei em voz alta porque ele tinha feito aquilo. O cara ficou puto da vida. Eu era um arrogante, eles iam dar um jeito em mim rapidinho. Fui pro fim da fila. Na minha vez de passar de novo pedi licença e passei pelo loirinho. Mas ai o outro cara adiante me deu outro soco no peito. Dessa vez fiquei quieto. Pedi licença, senhor, e fui em frente.

Ao entrar na cela não acreditei na quantidade de gente. A cela era pior que a outra ainda. Era o inferno. Cheiro de mijo e merda. Imagina ter que cagar numa pilha de coco, na frente de umas cinquenta pessoas, todas apertadas. Mas não me abalei. Fui apertar a mão de todos as pessoas. Fui mudando de lugar e dei um "salve" pra cada brother.

Não sei como aconteceu, mas uma hora eu estava falando pra todos ali. Os caras me admiraram por plantar maconha. Eu fiquei famoso em minutos. Falei coisas engraçadas. Na cadeia a gente percebe que tá numa nova família.

Nem vou perder tempo em falar da comida do lugar. Não recomendo.

Mas ficamos num papo muito bom, e logo ganhei um apelido, eu era o Velhão.

-O velhão é do caralho!
-Velhão, você me acalmou. Você é foda.
-Velhão, você não vai ficar aqui! Você já vai sair, velhão!

Poxa, eu fiquei triste com aquela coisa de que eu ia sair e eles iam ficar anos ali. Eu queria ficar mais uns dias. Queria mesmo. Mas o Dr. Nabuco consegui minha liberdade provisória.

Só eu e mais dois íamos sair. Um tinha gritado com a mulher e foi preso! O outro era vigilante em uma farmácia mas não tinha porte de arma e foi preso no seu local de trabalho. E eu, o famoso plantador de maconha.

O Dr. Nabuco ficou horas me esperando sair.

Passei por muitos portões. No ultimo o policial perguntou se eu ainda ia plantar maconha.

Eu disse:

- Claro que eu vou! Só que dessa vez vai ser no terreno da prefeitura. O guarda riu.

Dr. Nabuco me deixo na porta de casa, em Juquitiba.



                                                                           The End