sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Tentativa frustrada de matar um pombo...História veridica.


Isso aconteceu...

Subia a rua Santa Cruz, na Vila Mariana, São Paulo, quando de repente me deparei com um pombo atropelado na rua... Ele estava nas ultimas. A asa tinha se partido e uma fratura exposta era a primeira coisa que se via e tudo mais dava-lhe um aspecto miserável, uma mistura de penas e sangue e osso...Eu já tinha dado uns passos adiante mas tive que voltar. Olhei melhor aquele pombo e vi que ele estava morrendo. A única coisa muito viva eram seus olhos como dois ônix que brilhavam muito, umedecidos pela dor e a certeza de estar perdido. 

Munido das melhores intenções, eu afirmo, decidi acabar com aquele sofrimento. Eu ia libertar aquela alma daquele corpo. Me pareceu o certo. Me pareceu uma coisa cristã e humana. Resolvi matá-lo com o que eu tinha às mãos: elas próprias.

Comecei a torcer aquele pescocinho como já vi fazerem com galinhas. Mas não deu certo. Girei e girei aquela cabeça como se quisesse desparafusa-la. Depois dei uns puxões para ver se destroncava o pescoço e nada.

Nessa altura dos acontecimentos, já estava com a mão embolada de sangue e penas, percebi que um velho me observava do outro lado da rua. Ele não estava entendendo nada, via-se. Eu fiz uma cara como que me desculpando e dando de ombros e ele se foi me amaldiçoando... 

Enfim, depois de tentar apertar o peito com força com o polegar e tentar bloquear a respiração do pombo, tive que desistir por que aquele pombo não morria de jeito nenhum.

Recoloquei-o chão. A cabeça estava caída de tal forma que aqueles olhos me olharam e me lançaram um “por que?” que me calou fundo na alma. Ainda hoje as vezes vejo aqueles olhinhos brilhantes me fitando, numa agonia silenciosa.

O que sei é que se encontrar outro pombo morrendo vou deixa-lo morrer em paz....

André Parisi

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A Garrafa sem Fundo - Peça de teatro

            

                                             A Garrafa sem Fundo


                                                                                               Por André Parisi



Cenário:

Sem cenário. Tudo escuro. Pedro Silva no meio de uma ribalta que sempre o acompanha. Apenas uma cadeira onde Pedro está sentado.





Cena 1:


( Pedro esta visivelmente agitado. Perde algum tempo numa luta interna...Nessa hora a Jovem aparece. Dá uma volta onde está Pedro, olhando Pedro.)

Jovem: E vai ficar ai pra sempre?

Pedro: Estou pensando...

(É apoiado pela Senhora, que também entra em cena.)

Senhora: Isso mesmo, Pedro! Pense! Pense! Calma e pense!Pondere tudo! São tantas as coisas a se considerar! Você vai acomodar tudo! Tudo se acomoda!

Pedro: está tão difícil...

Senhora: Muita calma nessa hora...Não fique assim remoendo...pensamento positivo!

Jovem: Acorde, Pedro!

Pedro: sinto-me tão fraco...

Senhora: está confuso...Precisa colocar o trem nos trilhos.Precisa seguir adiante! Parado assim as coisas tendem a piorar...olhe seu estado...

Pedro: Percebi o que me espera...uma vida idiota...

Senhora: Depende de você!
Pedro: Tenho me esforçado. To quase sempre na merda. Não consigo ser feliz...

Senhora: Pare com isso! Você tem tantas responsabilidades! Adiante!

Jovem: nisso você ta certo, Pedro: você morreu e não tinha se dado conta.

Pedro: é como eu vejo...

Senhora: Não diga isso! Cabe a você mudar as coisas, progredir.

Pedro: como eu tenho tentado! Mas no final há sempre a frustração...

Jovem: Sim...Esse é o salário. Fazer as coisas que sempre os outros te mandaram fazer  e nunca o que o coração manda dá nisso. A pessoa acaba pirando...

Pedro: Eu não tenho a mínima idéia de quem eu seja...

Senhora: Pedro Silva! Rg.   5.423.543.564 ! Você tem historia...

Pedro: Se tenho... Mas é tão ordinária que eu gostaria de esquecer.

Senhora: Uma hora você vai ter que se mover, Pedro. Quando mais demorar mais difícil será. Você vai pagar os alugueis atrasados, sim. E não deve mais se importar com essa mulher que te largou por outro, ela era péssima, dá graças a Deus!

Jovem: Sabe muito bem que a situação é limite. Acabe com tudo isso!

Senhora: Não ouça essas bobagens!

Pedro: como posso não ouvir? Dá pra não ouvir? Como se faz isso?!

Jovem: Sabe que aconteceu, a mente entrou num colapso... Mas foi mesmo bom. Por que você não está mais totalmente morto. Agora você quer parar tudo. Não dá mais pra continuar. Então, deixe-se pra lá, e vá sem você. Alias, você deveria se chamar : ninguém!!!

Senhora: Tenta não prestar atenção no que ela diz! Se ocupe com alguma coisa pelo amor de Deus!

Pedro: não consigo o silencio à muito tempo...se tudo parasse...Se tudo acabasse...

Senhora: E aquele curso que você ia fazer? Do Governo? Aquilo parece ideal...

Jovem: Mas uma fuga...Pedro, Pedro...Como quero te ajudar...Mas se foge...Se perde cada vez mais...

Senhora: você precisa arrumar novas amizades ...Você precisa se barbear...

Jovem: Pedro, é a hora. Uma Hora bem tardia. Comece se destruindo!

Senhora: E os que te amam?...Seus pais... Seu cão...

Pedro: Meus pais me amam... Por que são meus pais e se sentem na obrigação. Sou sempre uma preocupação. Um fardo.  Eu sou um problema pro mundo...

Senhora: Volta ao caminho! Retoma o trabalho!

Pedro: O caminho que nunca foi meu? Esse traje parece que não mais me veste por que não me cabe. Acho que não tenho mais cara de representar esse papel. E meu trabalho não é a minha vocação. Eu sou um robô...

Jovem: Esse caminho chegou ao fim. Caminho errado. Trabalho ruim.  Salta!

Senhora: Pedro, sempre encontrou uma saída. Acalme-se!

Pedro: Não vejo saída... Que momento... Isso é muito duro! Não to mais agüentando isso...

Jovem: A sua vocação se ressentiu de você. Foi totalmente desprezada. Ficou chorando num canto, mas depois jurou se vingar. Agora come você por dentro, deixando pedaços vazios, abismos por todo interior.

Pedro: meu coração está perdido... Mas ainda pesa muito...

Senhora: Vamos daqui, Pedro. Vamos viajar! Espairecer um pouco!

Jovem: Cada vez é mais difícil fugir. Principalmente quando se foge de uma coisa que está dentro de você e que vai onde você vai. Como vai sair dessa? Como vai enganar esse que é você mesmo?

Pedro: Oh, meu Deus...Como pude chegar aqui? Onde mesmo foi que errei...E tudo o que fiz? Nada me salva?

Jovem: só há um lugar e esse único lugar se chama aqui. Essas coisas que você fez estão mortas. Vertidas no ralo do passado, pra nunca mais.

Senhora: Pedro, essa Jovem é a loucura. As palavras dela são pra tontear...

Jovem: sacudir sim...Acorda-lo desse sonho ruim. Disperta!


Pedro: E onde acordarei?

Senhora: não fale com ela!...

Jovem: Quem é que sabe?

Senhora: Mas agora você ta vendo só o absurdo? E como fica tudo? E a comida e a roupa? E o teto pra morar? Percebe que a vida não é bem assim...

Pedro: Sei, sei...Mas...

Jovem: Eu sei como você acaba com tudo isso...

Senhora: Não, não ouça isso!

Pedro: Sabe? Mas como?!

Senhora: Pedro...

Jovem: Abandona tudo. Sai desse amontoado de reminiscências. Joga tudo fora.

Pedro: Mas como fazer?

Jovem: Não faça. Senta quieto e espera, espera...

Senhora: Não Pedro...Reagi!

( a Jovem leva a Pedro uma garrafa, uma garrafa sem fundo. Pedro vai beber no gargalo.

Senhora: Não Pedro! Eu te suplico...

Pedro: Senhora, esteve sempre comigo. Deu-me muitos conselhos. Mas quero que vá embora para sempre!

(Pedro entorna a garrafa e as luzes se apagam)









Cena 2



(o cenário agora é uma praça. Pedro, um maltrapilho, está deitado no bando da praça, adormecido. Vai acordando...)

Pedro: ah!...Que sonhos!E que dia esse! O sol brilha para mim e seu calor é um conforto impagável. Morro no melhor lugar da cidade. As melhores árvores e as melhores flores...E tudo de graça! Celebremos! (tira uma garrafa do canto e toma um longo trago.) Agora é a hora do lanche... minha barriga está cantando...Vamos Lá com a tigelinha...

(Pedro vai saído)
(entra a varredoura)
Varredoura: (Olhando a sujeira deixada no banco...)

Todo dia esse vagabundo desgraçado deixa essa sujeira aqui pra eu limpar, como se fosse eu sua empregadinha...Essa praça é sua casa, esse banco seu quarto e eu sua escrava...Francamente...Não entendo como ninguém toma Uma atitude...Se eu fosse homem eu tirava ele daqui aos pontapés! Mas isso não vai ficar assim mesmo. Vou denunciar esse bêbado escroto e ele vai chafurdar em outra freguesia!

(após arrumar a bagunça, sai resmungando. Nisso volta Pedro.)

Pedro:  Um lanche frugal. Mas está ótimo. O bom de ter fome é que qualquer comida fica saborosa. E hoje eu vejo bem como existem pessoas bondosas. Nunca me negaram nada, ou quase Nunca. As pessoas são mesmo boas...(olhando seu banco) olha o que digo, essa boa alma vem sempre limpar meu quarto...que divida tenho com essa mulher! Mulher adorável, com sua vassourinha, limpando tudo, tornando o mundo um lugar melhor. Bem...Hora de não fazer nada e de não ser Ninguém. Simplesmente me sentar e me sentir contente. Esquecer de mim e ser um pouco árvore e céu e vento. Ou ser aquela borboleta que vagarosamente bate suas asas e baila no céu raso, parecendo apenas se divertir. Ou então aquela nuvem branca, flutuante, mutante. Quem diria que eu, Pedro Silva, ainda jovem, conheceria a luz da sabedoria? Comemoremos!(toma um trago da sua bebida).

(Pedro se senta no banco e fica contemplando o mundo a sua volta. Logo parece muito absorto em nada, como se meditasse. Pouco depois, sorrateiramente, esgueirando-se pelos cantos, surge o agente secreto).

Secreta: Puta que pariu...è esse o infeliz. Muitos denunciaram esse cidadão. Mas não podemos proibir ninguém de ficar na praça. A lei é clara sobre o que é público... Mas mesmo assim fui mandado para cá pra ver se acho outros crimes...e ai, crau, pegamos O bandido. Mas o que me deixa  puto da vida e me escalarem pra esse serviço. Isso Não é trabalho, é um castigo...Ficar aqui comendo mosca e reparando nessa criatura...Eu não merecia isso...Pois fazer o que? De tocai então esperarei um belo crimezinho. Eu preciso de muito pouco, uma coisinha e: você está preso em nome da lei!!!hahaha

(enquanto o secreta se acomoda num lugar onde permanece espiando a situação. Agora entra um cego).

Cego: Pedro? Você já ta ai? Posso sentir O seu cheiro...haha. Você chega muito cedo!

Pedro: olá, meu bom amigo. Digamos que eu more nas imediações...

Cego: Você já me disse outro dia...

Pedro: Mas sente-se um Pouco e aprecie comigo essa manhã simplesmente fantástica.

Cego: Claro, amigo.Gosto da sua companhia. Você é uma pessoa Muito leve. Parece não ter problemas...

Pedro: Você também me parece assim.

Cego: Estava pensando muito no que você me disse aquele outro dia, sobre a verdadeira felicidade. Você disse que ela estava sempre ali, mas as pessoas perdidas em confusões mentais não percebem, e se põe a buscar coisas e depois mais coisas e nunca encontram a saciedade. Isso está bem certo. Eu tive um tempo em que vivia Muito infeliz e me sentindo abandonado por Deus...Mas quando passa o turbilhão, e nos acalmamos, dá pra sentir um lampejo de paz....E agora, atento a isso, tenho tido mais momentos de paz e sinto que minha alma está serena. Muito obrigado meu amigo!

Pedro: Eu também agradeço por você vir falar comigo. Devo ser um pouco assustador, pois é raro alguém vir conversar comigo ...Além dos pássaros, claro...Minha filosofia é bem simples: negar aquilo que não é. Aceitar aquilo que é.  O difícil dela, digamos, é encontrar as coisas que não são para podermos negar-las. Por que aquilo que não é, aparenta ser. São justamente as coisas que acreditamos que precisam ser negadas para que sem acreditar em nada, e sem preconceitos possamos ver tal e qual o seja, com toda a pureza, a realidade e a beleza da vida.

Cego: Entendo isso. Esse “ver” que você diz os cegos também são capazes de ver. Pois mudando as coisas de lugar, nada mais é familiar para nós. Então, tudo para o cego é novo, tudo é desconhecido. Há uma boa aventura nisso.

Pedro: Eu gosto às vezes de fechar os olhos para ver melhor. Então a realidade é como uma música experimental e inaudita, que nunca se repetirá naquela seqüencia de sons. A vida é grandiosa, quando paramos tudo para perceber-la.

Cego: Obrigado mais uma vez amigo, essas conversas são importantes para mim. Porque mesmo no escuro, eu tenho encontrado um caminho. E mesmo cego, eu tenho visto a luz no meu entendimento.

Pedro: Meu coração transborda de alegria, amigo. Agora vou fechar meus olhos e com você quero compartilhar essa visão.

(os dois permanecem de olhos fechados. Nesse momento o secreta saca um bloco do bolso e começa a fazer anotações)

Secreta(à arte):

Já vi tudo...Não será fácil enquadrar esse vagabundo. Essa lei é toda errada. O cara pode ficar ai, sentadão, impunemente. E eu nada posso fazer. Mas se eu fosse o rei, já teria cortado essa cabeça. Essa tolerância pra mim é intolerável. Tudo podia ser mais fácil...mais cruel!

(entra a varredoura)

Varredoura: Então o senhor voltou ao seu trono? Pena que eu denunciei-o para as autoridades...Esse negócio de eu ficar limpando sua bagunça está no final!

Pedro: Você...que leva meus lençóis todos os dias? Mas tudo bem, eu sempre acho mais. Mas é uma sorte ter você por perto...

Varredoura: sua sorte está no fim...

Pedro: você está brava comigo? Eu sei...Não vou mais bagunçar nada, eu prometo a você. Recolherei tudo antes de você chegar.

Cego: trarei um cobertor pra você amigo, temos sobrando.

Pedro: poxa, eu aceito por que é de um bom coração.

Varredoura: Não devia ajudar esse vagabundo. Assim ele nunca vai embora. É péssimo pro turismo...

Pedro: Mas não me quer aqui? Tem ódio de mim? Só por causa dos jornais?

Varredoura: você não merece meu ódio. É alguma outra coisa menor que o ódio. Eu te desprezo por que não trabalha. Eu nunca estudei mais nunca me tornei uma pessoa assim...ociosa. Pedidor de esmolas!

Pedro: eu te entendo. Entendo seu orgulho. Mas o ócio é uma arte. E pedir esmola é uma forma de provar que as pessoas são boas...eu nem preciso de dinheiro pra nada. E esmola eu acho um termo um pouco gasto. Melhor é dizer: uma pequena contribuição para a aminha causa.

Varredoura: Causa? E você lá tem isso?

Pedro: Minha causa é apenas viver enquanto há vida para ser vivida. Então não me preocupo com ela. Apenas vamos vivendo e curtindo.

Varredoura: Francamente... Então isso é vida? Poxa, e eu ainda perco meu tempo escutando essas asneiras...

Pedro: Não perca seu tempo me odiando. Isso sim não é vida. Essa braveza tira um pouco do seu brilho natural. Quando você está relaxada o brilho deve aparecer... Você é uma pessoa linda sem raiva.

Varredoura: E como sabe? Conhece-me?!
Pedro: Sim, eu te conheço. Acho que conheço todas as pessoas. Tire o que elas tem, de feio e lá está a beleza, por baixo. Se até eu mesmo, sujo e fedido, lá dentro vejo uma beleza indescritível, o que se dirá de uma mulher como você, com sua vassourinha mágica colocando ordem nesse mundo caótico.

Varredoura: Isso faço mesmo. Detesto coisa fora do lugar:  papel no chão, escarro...tudo que é nojento eu abomino. Quer ver eu ficar louca e ver alguém jogar papel no chão...

Pedro: olha, se todas fosse como você... Você é maravilhosa!

Varredoura: Eu? Nem sou... Mas não adianta que não me arrependo de ter denunciado você! Seus elogios não me agradam, não. Não me peça pra ter arrependimento...

Pedro: Não pediria. Essas coisas partem da própria pessoa, não é coisa de se pedir. Aprecio sua sinceridade.

Varredoura: Olha: eu não sou uma pessoa má. Então ouve esse conselho: vai a um albergue do governo, ou pra um sanatório. Fique por lá. Você não atrapalha ninguém, ninguém te atrapalha. Você também não é uma pessoa má. É apenas um desajustado. Só um desvalido. Um louco, certamente. Nesse lugar dormirá numa cama de verdade. Terá todo dia uma sopa. Um banheiro pras suas necessidades.

Pedro: Parece um bom conselho. Irei assim que terminar meu tempo aqui. Ainda tenho um papo pra levar com essas árvores. Difícil explicar...Tenho alguma coisa pra fazer aqui...

Varredoura: não explique o que não quero entender. Meu negócio é juntar o lixo que jogam por ai com a maior facilidade. Eu tentei ajudar. Nem devia...

( Ela vai saindo e varrendo)

Pedro: tenha um grande dia!

Cego:  E agora?

Pedro: E agora?! Estamos ai...

Cego: Eles vão te internar, amigo. Você precisa se cuidar. Não podem simplesmente obrigá-lo a nada, mas se você der uma mínima razão...Ai já viu...

Pedro: que razão poderia dar? Reconheço que fui muito injusto com esse negócio dos jornais...Mas do resto...Eu sou quase um vegetal...

Cego: Bem, amigo, eu ficaria triste de verdade se alguma coisa lhe acontecesse.

Pedro(comovido) : Olha...eu nem tenho palavras...E bom sentir que alguém se preocupa com a gente. Além de você, o Universo se preocupa comigo. O que me falta? Nada!

Cego: que bom que pense assim. Nada acontecerá...Espero.

Pedro: Seja O que Deus quer!

Cego: Bem, hora de caminhar de volta. Vou ler um pouco...com os dedos!

Pedro: Vai lá, amigão. Qualquer coisa, estou aqui, no meu escritório!

(O cego sai rindo)

(Entra em cena um homem. Ele olha Pedro atentamente.)

Homem: tive que vir aqui falar com você.

Pedro: olá, que bom, uma visita. Mas nos conhecemos?

Homem: eu te conheço bem, desde sempre. Ninguém me conhece.

Pedro: sério?

Homem: pra mim é serio, sim. Muito. Sabe essa praça? Esse cenário? Sabe você? Fui eu quem criou tudo isso.

Pedro: Mas... É Deus?

Homem: Imagino que pra você eu seja exatamente Isso.  Dei-lhe a vida com minha imaginação. Mas cheguei num ponto onde as coisas parecem que travaram. Não consigo mais desenvolver a sua existência. Por que...

Pedro: Porque?

Homem: ...porque Eu de certa forma sou você. Você é minha Imagem e semelhança. Não consigo ser livre como você e ao mesmo tempo sou alguém tão comum, um tipo convencional de pai: tudo aquilo de ordinário que tirei de você sou eu também. Mas o que pouca gente sabe é que fiz os humanos pra estar com eles nesse mundo, sendo eu tão humano e vivendo o coração humano, também me desenvolvendo e evoluindo. Suas experiências são a minhas próprias experiências, Estou no mesmo barco.

Pedro: Poxa, eu estou assim sem entender bem...

Homem: Nada aqui é verdade. Nada aqui pode ser entendido... Busca-se a verdade, mas dentro de uma mentira. A linguagem é um tipo de mentira, deformadora.  Acho que essa tarefa é demais pra mim...Não sei onde tava com a cabeça quando fiz tudo isso...Digo, os homens. O tédio faz a gente fazer cada coisa...Mas agora isso tornou-se um problema. É como uma arte que estou fazendo por milhões de anos. Sempre modelando. Sempre insistindo em melhorar as coisas.

Pedro: Mas não é mais Deus? E a perfeição e tudo mais?

Homem: Sou, mas mesmo um Deus é obrigado obedecer suas próprias leis, como um escravo...A água sempre vai descer, no seu estado liquido, até onde der.  Mas agora, ao ver a humanidade lá de cima, senti titubear minha grandeza e me perdi nesse enredo. Fui dar o livre arbítrio...

Pedro: E agora? O que vamos fazer? Quando Deus fica assim taciturno e vacilante, o universo também titubeia. Isso dá um temor. É como tirar dos pés o chão.

Homem: sim,sim...O processo é complicado. Mas estou aqui por que tenho  consciência...sinto amor por tudo isso, embora seja agora pra mim um drama. Um pacote danado. Deixa eu te contar uma historia:
Um dia concebi você. Era uma solução radical pra esse problema de ter caído num Mundo onde se tem que seguir os padrões e as obrigações necessárias mas que mata diariamente aquilo que realmente é sagrado na vida. E por outros tantos anos vi e revi sua vida. Mas agora, percebo que tudo foi uma confusão. Enfim, uma realidade sórdida precisava ser contrabalançada por uma idéia pura de originalidade e filosoficamente transcendental.
Mas tive um insight divino, de repente... Precisamos por um ponto final nisso e dar um desfecho.

Pedro: O mundo vai acabar?

Homem: Isso é o que vim falar com você. Apesar de tudo o que me aflige eu o criei e passei a amá-lo. Estou no seu coração sem você querer ou saber. Não posso esquecê-lo na gaveta. Nem me omitir mais. Preciso solucionar isso. Essa historia precisa seguir seu fim inexorável.

Pedro: Vou morrer? É isso que veio me dizer?

Homem: Sim. Mas como sou Deus quero que seja algo especial. Quero que faça sentido.

Pedro: Poxa...Eu tava gostando disso...desse papel de Pedro Silva. É uma pena, mesmo...

Homem: eu sei. Mas você não tem mais um drama. Ninguém pode existir sem um bom drama. Isso aqui não é diversão. Você precisa acabar de forma dramática.

Pedro: eu aceito isso... na boa. A vontade de Deus seja a minha vontade. Mas veja lá, amigo, se puder afasta de mim esse cálice.

Homem: Pois então escuta a minha vontade. Quero que você seja um rei agora. Mesmo que seja o rei dos vagabundos. Quero que deseje ser algo, o melhor que puder ser.

Pedro: que história é essa? Mas o que eu fiz pra merecer isso?

Homem: Você chegou lá.  Já se sente realizado com nada. Isso é muita riqueza. Um tesouro incalculável. Precisa espalhar esse evangelho. Tenho compaixão pelos outros, sabe? Aquela historia de alshvits acabou comigo... Foram tantas guerras, tantos massacres...E ainda o erro mora tão profundamente em cada homem. Isso dói, sabia. Queria enfiar o dedo na garganta e vomitar tudo o que já vi. Mas sou Deus. É muito duro ser Deus e assistir todo tipo de absurdo.

Pedro: Hum... Que posso fazer perante a vontade de Deus?...Logo eu que achava que Deus era o universo... Mas eu te entendo... É mais humano do que eu pensei. Aprecio seu arrependimento: há muita bondade nisso.

Homem: ótimo. Agora é com você. Vou voltar de Onde vim. Mas estarei aqui também, em espírito.

(Sai o Homem)

Pedro: Caramba...Sempre senti a presença de Deus nesse lugar, mas isso que acaba de acontecer é um pouco demais...Será ele realmente um Deus?

(uma voz vinda do alto diz: sim, eu sou Deus!!!)

Pedro: Oh! É Deus mesmo!!! Desculpe...Serei o Rei! Serei o Rei!

(nessa hora o secreta dá um pulo como se acordasse)

Secreta: Serei o Rei? Serei o Rei? Você disse isso mesmo?

Pedro: Nem te conto meu amigo! Eu falei com Deus nesse instante e ele disse que eu agora sou o Rei!

(O  Secreta dá uma gargalhada mas depois subitamente percebe uma oportunidade de enquadrar o louco.)

Secreta: Deus falou pra você que você é um Rei?

Pedro: acabei de dizer. Sim. Foi o que de fato ocorreu.

Secreta: isso é maravilhoso...Era o que eu queria!

Pedro: Puxa, Deus é sábio mesmo. Veja sua satisfação! Que coisa impressionante...

Secreta: Sim! Mas espere, se você é Rei cadê sua corte?

Pedro: Bem, isso acabou de acontecer...Ainda não tenho nenhuma...

Secreta: Maravilha, não tem problema! Eu vou ajudar... Mas olha, preciso te dizer, sou agente secreto... Então, você nem me conhece. Tá bem? É secreto. Ninguém, mas ninguém mesmo pode saber que eu existo ! Vou mandar sua “corte” logo...
(sai o secreta, apressado)

Pedro: Minha nossa...minha tranqüilidade parece que está abalada...Sou um Rei por determinação divina...Que cilada do destino!


Cena 3

Secreta:

Finalmente aparece uma boa oportunidade de mostrar serviço! Agora saberão que eu sou capaz de grandes investigações, de descobrir complôs...Mesmo que não existam...Mas quem vence nessa vida sem fazer alguma arte? Sem criar alguma sensação nos superiores? Esperar que me notem, naturalmente? De que jeito,  estou subordinado a pessoas incapazes de ver o meu valor? Pois eu tenho um grande valor...Grande é a minha ambição.  Isso que estou tramando tem a ver com a segurança nacional...Eu penso grande! Nosso rei saberá que por traz da aparente calma se esconde o inimigo, pronto a desabrochar e ser uma ameaça, como uma doença latente que de repente irrompe numa epidemia. O germe do mal está em qualquer lugar, depende muito do que os olhos querem ver e de seus temores...Sei exatamente o que farei...É incrível como as Idéias jorram da fonte! Ele se acha um rei, enviado por Deus. Até ai é só loucura. Mas se outros acreditarem? Ou se forem obrigados a acreditarem? No meu ramo, a gente conhece muito vigarista...Há muita chantagem...Há muita divida com a justiça...É a hora de cobrar favores...Desta vez eu vou subir! Chega de ser agente secreto! Quero ser Inspetor, chefe da policia! Ministro da defesa! Braço direito do rei! Então vamos lá, uma oportunidade como essa só floresce raramente. Mãos a obra!

(a luz apaga )


Pedro: Eu não era nada e me sentia tudo. Agora que sou o Rei sinto que sou nada, um tipo de mentira. Isso me faz ter vergonha por que sou um Rei e sou um mendigo. Como desafiar a Deus se ele vem até você e te fala na cara?...

(entram em cena duas mulheres. Trazem algumas coisas consigo)

Mulher 1: você é Pedro Silva?

Pedro: Sou...

Mulher 2: viemos trazer uns panos para vesti-lo. Mandaram-nos aqui...Mas é secreto.

Pedro: Secreto? Entendi.

(as mulheres cobrem Pedro com um pano púrpura. Também lhe dão uma coroa de rei do carnaval .)

Mulher 1: Temos que ficar aqui com você. Não sei quanto tempo.

Pedro: que bom, sintam-se em casa. Essa é a Minha praça pública. Conheço cada grama, cada florzinha...

Mulher 2: nos disseram que chegará mais gente...temos que esperar...

Pedro: Serão vocês parte da minha corte?

As mulheres riem.

Mulher 1: pelo jeito somos...Aquele que não podemos dizer o nome, disse que teríamos de trata-lo como um rei...mas nem sabemos fazer isso...

Mulher 2: O que a gente não faz por...um rei...Ainda mais se nos ameaçam de por na cadeia.

Pedro: O que? Disse cadeia?

Mulher 1: ela quis dizer cadeira...bem deixa pra lá.

( entram três homens)

Homem1: deve ser esse cara ai.

Homem 2: É ele pela descrição.

Homem 3: Olá, grande rei! Viemos para fazer-lhe companhia... Seus humildes vassalos.


Pedro: sejam bem-vindos! Mas nada tenho a oferecer senão mera companhia mesmo...Eu me tornei um rei a pouquíssimo tempo...Ainda não deu pra coletar nenhum imposto...A pobreza aqui reina!

Homem 1: bem vamos sentar aqui no chão mesmo. Já estamos acostumados. Temos que esperar...
(os homens se sentam no chão e começam a jogar dados...)

Pedro: fiquem a vontade...Pelo menos serei um rei legal...

( entra em cena o cego, trazendo uma coberta...)

Cego: Pedro? Pedro?

Pedro: estou aqui no escritório...Ou melhor na sala de despachos do meu palácio. Tem mais cinco pessoas aqui. Meus súditos

Cego: vejo que você está muito bem humorado agora.

Pedro: Pior que não. Fazia tempo que não me sentia assim, dividido.

Cego: Mas você sempre está bem... Surpreende-me ouvi-lo dizer isso. O que se aconteceu, meu amigo? Pode se abrir comigo...

Pedro: Bem, é uma história muito estranha. Mas... Deus esteve aqui, assim como você está agora, diante de mim, e me disse coisas inesperadas...

Mulher 1: você falou com Deus?

Cego: Mas Pedro...Você estava tão lúcido a poucas horas...

Pedro: sim... Mas agora sou um rei. Deus me disse:”Será um rei”. E pouco depois essas pessoas chegam. Me trouxeram um manto e uma coroa. As coisas estão acontecendo e eu não quis isso. Mas como negar a Deus um pedido, uma ordem? Eu nunca liguei pra Deus, mas quando ele te procura não tem mais jeito...A pessoa se compromete de uma tal forma, que não há como apelar...

Cego: que estranho... Mas como sabe que é Deus mesmo e não um maluco se dizendo Deus?

Pedro: pensei o mesmo depois que ele se foi...Mas na minha dúvida, uma voz ecoou do além e um arrepio fez meus cabelos subirem...Tal arrepio é muito peculiar. É sobrenatural.

Mulher 2: será isso verdade?(faz o sinal da cruz)

Cego: Pedro, agora estou mesmo preocupado com você... Não é que não acredito. Mas não faz sentido. Ou será que você é um santo?

Pedro: Bem, acho que santo me cabe melhor. Pois desde que vim pra cá não lembro de ter pecado.Mas rei...É uma função difícil pra mim...Não tenho pratica.

Cego: entenda, Pedro: Já temos um rei. Se proclamar rei pode lhe custar a cabeça. Você tem que parar com essa insanidade. Será o seu fim...

Pedro: Bem que eu gostaria de voltar a minha paz. Não ser nada. Quando não somos nada, nada nos pode acontecer de ruim, pois como pode acontecer algo a nada ou ninguém? Mas quando alguém recebe essa missão, as coisas começam a ficar mais mentais, mais complicadas. Meu coração está mexido... Coisas estão brotando, a tanto esquecidas. Estava agora mesmo a pensar em como eu poderia mudar esse mundo... Só um rei tem esse tipo de pensamento. Eu agora preciso ter algum poder...Não tem jeito.

Homem 1: desculpe, majestade, mas isso que está falando...Esse negócio de poder me interessa. Nos poderíamos mesmo começar algo do tipo revolução.

Homem2: Isso mesmo. Eu to cansado de viver me esgueirando como um bandido... Nunca tive oportunidade na vida, por isso me tornei malandro..

Homem 3: eu também acho...Nos precisamos estar por cima também...Tudo é muito injusto...Impostos, proibições...Revolução!!!

Pedro: bem, amigos, eu sou um rei diferente... Não quero esse poder, perigoso, quero poder falar a verdade...Se é que sei o que é isso. Mas foi o que me incumbiram lá no céu.

Homem1: mas é necessário. Precisamos ter gente insatisfeita ao nosso lado...Então...Todos nos acompanharão! Como vai falar se não tem audiência? Tem que ter um chamariz...Além do que tudo custa dinheiro.

Cego: Pedro, tome cuidado, amigo. Eu sinto que o ambiente aqui ta ficando explosivo... Eu trouxe cobertor pra você. Essa noite será fria. Volte pra sua calma.

Pedro: Obrigado meu querido amigo. Estarei bem. Tenho muito que pensar. Até mais ver...

(sai o cego)

Pedro: E agora, o que será que acontece?

(nesse instante entram alguns repórteres e fotógrafos.)

Repórter 1: é aqui mesmo. O homem que se proclama rei!

Repórter 2: O senhor é o rei Pedro Silva? Rei enviado por Deus?

Pedro: bem... Eu não fui enviado porque já estava aqui. Deus é que se enviou a mim. Falou comigo. Disse: é o rei. Entende minha situação?

Repórter1: Mas e quanto ao nosso rei? O que o senhor tem a declarar?.

Pedro: Bem, pouco sei do rei, que ele não se irrite com isso. Mas certamente ele me entenderá e saberá que não se pode chegar pra Deus e dizer, olha, amigo, não to muito a fim de ser rei. Peço desculpas! Impossível! Deus é inflexível. Ele mandou, você faz.

Repórter: Essas pessoas são seus seguidores?

Pedro: bem, de certa forma... Eu sou muito parado, então mal tem pra onde seguir...Mas vieram espontaneamente e se tornaram meus súditos. Isso aconteceu e nem consegui acomodar as coisas na minha cabeça. Aliás, esta sendo tudo muito rápido... É tudo muito recente...

Repórter 2: E quanto a vocês? Por que o seguem?

(há um silencio)

Repórter 2: você? O que tem a dizer?

Homem1: Bem... Eu... Nós...Vamos fazer uma revolução nesse lugar! Temos um rei que é como nós, um desvalido, tremendo pobretão. Deus escolheu um homem do povo para reinar! Isso faz um puta sentido!

Repórter 1: Bem, acho que já estamos entendendo...Isso vai sair ainda hoje na Gazeta do Reino! Vamos continuar cobrindo sua história. Você(ao reporter2) fica aqui também e me mantenha informado que eu irei a redação preparar a matéria. Isso vai ser muito curioso. A audiência vai ser colossal!!!

(sai o repórter e sua equipe)

A luz apaga e apenas o secreta num canto é iluminado

Secreta: estou feliz, feliz, feliz... Terminei meu relatório e já o encaminhei ao rei. Logo sairão as ordens...e em seguida minha promoção...Mas tive também que me arriscar muito. Juntar esses patifes aqui não foi tão fácil... Mas quando alguém tem envolvimento com o crime e a contravenção, a chantagem é um boa manobra. Tive que prometer não denunciá-los por seus crimezinhos idiotas... Mas só preciso deles hoje. Isso não vai longe. O rei ficará furioso de saber dessa outro usurpador e a coisa vai ficar feia pro nosso amigo... Mas eu sei que apesar dessa trama eu estou fazendo o certo e o justo. Pois eu mereço um salário melhor!

(De novo na praça...)

(entra a varredoura)

Varredoura: Eu nem acredito no que estou vendo. Você ficou louco?

Pedro: oi minha querida.

Varredoura: Eu estava varrendo as ruas e por todas elas ouvi falar de um usurpador, o Rei dos desvalidos, que estava aqui na praça, com seus seguidores. Você quer morrer?

Pedro: Ainda não. Gosto da vida. Apesar de hoje minha vida estar caótica. Pois eu voltei a pensar. Estou calculando coisas... É um retrocesso...Mas Deus me faz agora um servidor, tenho que fazer algo pelo mundo. Ajudar essas pessoas de alguma forma...

Varredoura: Pois, ajude-se!  Eu gostaria também de ajudar você de alguma forma. Quando te denunciei não tinha noção de que as coisas iam evoluir pra isso.  Nem sei como me sentir agora... Você não escuta meus conselhos... E é uma boa pessoa. Isso já é muito. Pra que ser Rei? Por favor: pare já com essa insanidade... Sentir-me-ei culpada. Não quero seu sangue em minhas mãos! Tenha dó!

Homem 1: Hei você, faxineira, deixe o rei em paz. Quem você pensa que é pra falar assim? Ele agora é nosso líder. Não permitiremos nenhum desrespeito.

Pedro: Oh, não! Ela é minha amiga. Ela pode falar o que quiser. Farei valer essa lei. Aliás, você não gostaria de ser rainha?

Varredoura: Rainha?! Obrigado, eu tenho mais o que fazer. E isso vai acabar mal... Não quero ser decapitada.

Pedro: se acabar mal é a vontade de Deus, pois ele que armou essa situação.

Varredoura: O homem está louco mesmo... É uma pena... Não é culpa minha...Vou andando pois não quero ver o que vai acontecer, nem ser confundida com um dos seus...súditos...

Pedro: minha querida, você que põe ordem nesse caos, eu agradeço demais sua preocupação. Que Deus, meu conhecido, lhe favoreça sempre.

Varredoura: Amigo... Hoje vou varrer as ruas cheias de tristezas. Realmente não tive essa intenção... Não é culpa minha...Não é culpa minha...

(sai a varredoura)

Pedro: Ela não é adorável? Mas estou me lembrando de uma coisa: Deus me disse pra espalhar meu evangelho. Então, meus súditos, vocês agora serão também discípulos.

Homem 1: como vamos tomar o poder?

Pedro: Bem... da seguinte forma: minha filosofia agora é que cada um se tornará um rei. Isso me ocorreu agora, pensando no poder... Por que o único poder que realmente faz sentido é o poder de cada um. Cada um aprendendo a ser poderoso. Mas como cada homem é um mundo diferente, então o aumento do poder não tem uma formula fixa. Mas tem uma regra geral: cada qual tem que descobrir em si o que o move e o que o paralisa. E a primeira coisa a fazer é despirmo-nos de nós mesmo, pois somos em grande parte fruto das pressões que a sociedade nos impõe. Para sermos nós mesmos, puros, temos que abrir mão do que conhecemos e penetrar no desconhecido. No desconhecido está à verdade. Ela começa a brotar quando aprendemos a ver sem julgar e sem desejar. É muito simples. Mas como nos tornamos complicados, o simples ficou difícil. Então temos que descomplicar, jogar coisas fora.

Homem 2: Só isso? Mas isso não muda nada na sociedade. Nós precisamos de uma revolução.

Pedro: Mas isso é uma revolução. A sociedade são pessoas. Não se muda a sociedade sem mudar o coração do homem. No coração do homem está a chave. Só ali. E não to falando de idéias. Mas de um peito aberto, de olhos abertos. Criou-se um sistema onde há muito progresso e avanço cientifico. Mas o homem mesmo está cada vez menor, ele agora é só uma parte da engrenagem. Fragmentado, ele, perdido, procura se ocupar o tempo todo pra não estar a só consigo mesmo. Sempre querendo comprar algo, sempre correndo atrás de algo, sempre dormindo, sempre longe do seu coração.

Mulher 1 – Isso tudo me parece verdade. Eu vivo correndo atrás de coisas o tempo todo.
Mulher 2 - Eu também. Mas se paramos... Não vamos enlouquecer?

Pedro: claro que sim! Mas isso é necessário! Uma vez eu parei com tudo e enlouqueci. Mas enlouquecer foi a melhor coisa que me aconteceu. Pois a minha loucura agora é quase santa. Antes era uma loucura comum, a de todo mundo. Essa loucura agora é só minha. E minha missão é encontrar a cura. É assim que eu, zerado de tudo, sanado, posso deixar essa vida e penetrar no oceano desconhecido que é a morte.

Repórter2 – Mas isso é pura subversão. O que tem a declarar?

Pedro: sim,é subversão. Mas a que leva o homem para si mesmo. Qualquer outra subversão é apenas algo que vai causar mais confusão e dor.

Reporter2: Mas não entendo que tipo de rei deseja ser...

Pedro: bem, nem desejava ser rei, mas não tive opção. Mas entendo agora o que Deus quis com isso. E acho que ser rei agora é necessário. Pra mim, pra vocês e pra todo mundo. Pois ser rei é ser o que se é, lá no fundo, sem nenhum tipo de poluição e de condicionamento.

Reporter2: Mas isso não é anarquia?

Pedro: Não sei bem o que você entende por anarquia. Eu não penso a sociedade como uma multidão seguindo autoridades. Mas eu vejo cada homem e mulher sendo reis, portanto a própria autoridade. E o resultado disso é mais respeito. Pois se sou rei, e você também é, temos que nos tratar muito bem, como pede o protocolo.

Reporter2: Muito bom...Isso vai dar uma boa matéria. Vou agora levar isso a redação. Agradeço a você Pedro Silva pela entrevista.

(sai o repórter)

Homem 3 : quanto a mim já cansei dessa baboseira.  Perdoe, mas já fiz meu papel. Combinei de ficar até essa hora. Já está começando a esfriar e não quero ficar
doente. Adeus a vocês!

(O homem 3 sai mas volta correndo)

Homem 3: Fujam , fujam, soldados estão vindo pra cá. Eles vem por nossa causa!

Homem 2: Meu Deus! Eu, tô fora!

Homem 1: Vamos majestade! Temos que fugir!

Pedro: Vão vocês! Eu moro aqui mesmo. Preciso que vocês salvem-se, pra poder espalhar minha mensagem. Vão mulheres! Vão homens! Cuidem-se bem!

(todos saem de cena, menos Pedro. Entram três soldados, com traje parecido aos dos legionários romanos. Junto deles o Secreta, vestido diferente, com roupa mais pomposa que a de antes.)

Secreta: Esse é o usurpador! Prendam-no!

(dois soldados seguram Pedro firmemente, cada qual de um lado. O secreta desenrola um papel)

Secreta: “Pelo poder a mim conferido por sua majestade, o mais justo entre os homens, o verdadeiro enviado de Deus, nosso amado e único rei, declaro que vós, que se intitula rei, comete um crime hediondo, e para tal a morte é a sentença. Mas sendo nosso rei magnânimo e justo, ainda lhe dá uma ultima chance de se redimir, e para tanto terá que, agora mesmo, confessar sua loucura, e negar que é um Deus por determinação divina e pedir perdão e nunca mais cometer tal crime.” Então Pedro, o que tem a declarar da sua parte?

(O soldado encosta a lança no peito de Pedro)

Pedro: Oh! Deus!!! Oh, Deus!!!

(uma voz vinda do auto fala: - Pare tudo! - tudo se paralisa, todos viram como que estátuas, menos Pedro.)

Pedro: Oh, Deus. O que eu faço?!

Deus: meu querido Pedro, Isso ai é com você. É pra você que perguntam, e não a Mim. Você é livre para fazer o que quiser.

Pedro: Mas Senhor...É assim que termina minha missão? Eu não ia ser um rei e salvar o mundo das injustiças?

Deus: Pedro, ninguém pode salvar o mundo. É cada um por si e Deus por todos. Cada qual é que se salva ou se condena. Foi essa a liberdade que eu dei. Se te assoprei no ouvido que você devia ser um Rei, é por que gosto de você. Mas nesse caso não me cabe interferir mais do que já estou fazendo. Pois nesse momento crucial eu estou falando com você. Para quantos tu achas que eu dou essa colher de chá?

Pedro: Entendo...Mas é que agora , eu com essa lança no meu peito, sinto tanto medo. Eu tinha uma vida boa, antes de querer consertar as coisas...tava tudo em paz...

Pedro: A paz existe nesse mundo e ela é boa. Mas a ninguém eu mandei nessa terra pra passear. Todo mundo tem na vida uma chance de se definir, quando um momento crucial se apresenta. A maioria abre mão da sua verdade, com medo, e deixam de ser autênticos. O que vai ser pra você, Pedro?

Pedro: Pra mim...Solta a fita...Meu Deus!

( as pessoas voltam a ter movimento)

Secreta: O que vai ser pra você, Pedro?

Pedro: Eu Pedro Silva, quero ser autentico. Deus me deu um tesouro que é a minha consciência. Eu da minha vida sou o soberano. Por Deus, eu sou um rei!!!

( num simples gesto do secreta, o soldado atravessa o coração de Pedro que cai morto)

O secreta e os soldados saem de cena.

Deus(como um voz): Você me honrou Pedro. Eu te dei um presente, que foi a sua vida, e você fez o melhor. Por isso agora eu te chamo pra morar na minha casa. Minha casa sou Eu mesmo. Agora Você, Comigo, também é Deus.

Pedro(como uma voz): Obrigado, obrigado mesmo. Não doeu nada morrer. Nada mais me pesa. Eu venci a vida. Louvado seja  Deus!!!

Cai o pano.

FIM